quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Investigação

Paulo César Pinheiro decidiu não abrir um processo para investigar se a morte de Clara foi causada por erro médico.[27] Para haver a investigação, ele teria que autorizar a exumação do cadáver dela. Seguindo a orientação da própria cantora, ele não permitiu que isso fosse feito. Ela teria lhe dito, após a morte de Elis: "me enterre como eu estiver, mas não deixe me cortarem". Outro motivo pelo qual preferiu não abrir um processo se devia ao fato de que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) se encontrava sob intervenção do Conselho Federal de Medicina (CFM)[27] desde 1978.[28]

A intervenção no Cremerj havia se iniciado em 1978, quando duas chapas de oposição desrespeitaram uma norma baixada pelo então presidente do CFM, Murilo Belchior.[28] A norma proibira a inclusão de candidatos com menos de cinco anos de formados.[29] As chapas oposicionistas incluíram profissionais novatos e, assim sendo, a Chapa 2, que venceu a eleição, não obteve a homologação dos resultados pelo CFM. Há quem indique que os resultados não foram homologados porque as chapas oposicionistas eram ligadas a sindicatos, o que desagradava a direção do CFM, que seria ligada à ditadura militar. Por fim, o CFM nomeou uma diretoria provisória para o Cremerj, com funções limitadas (apenas administrativas e não éticas) e constituída por membros da Chapa 1, a derrotada.[29]

Hipóteses para a parada cardíaca de Clara Nunes, apresentadas por Américo Salgueiro Filho ao Cremeb[30]:

1a - O iodo teria desencadeado uma liberação maciça de histamina, capaz de provocar queda da pressão arterial, choque grave e parada cardíaca.

2a - O Inoval (pré-anestésico) teria provocado um quadro chamado de "tórax rígido", caracterizado pela dificuldade de se ventilar o paciente, o que no caso de Clara não chegou a se caracterizar por completo devido à aplicação de um medicamento broncodilatador que facilita a respiração.

3a (mais provável, usada como causa mortis no atestado de óbito) - Reação de hipersensibilidade, tipo anafilática, ao halotano, gás absolvido pelos alvéolos pulmonares que cai na corrente sanguínea com o objetivo de "apagar" o paciente. Seu modo de ação, como o da maioria dos agentes anestésicos, é desconhecido. Também diminui a pressão arterial e pode se tornar tóxico devido a uma biotransformação orgânica.

No final de abril de 1983,[31] o Cremerj decidiu averiguar as causas que levaram à morte da cantora, abrindo uma sindicância.[28] Diante do clamor público, a instituição tem autonomia para iniciar a apuração de casos suspeitos, independentemente da autorização dos familiares.[28] No entanto, o julgamento não poderia ser realizado pelo Cremerj, uma vez que este se encontrava sob intervenção. Teria que ser realizado por outro Conselho Regional de Medicina. O CFM indicou, então, o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), presidido na época por Aristides Maltez Filho.[29]

O jornalista Vagner Fernandes, autor de Guerreira da Utopia, biografia da cantora lançada em 2007, teve acesso aos documentos sobre a sindicância aberta para apurar a morte de Clara.[32] Esta foi a primeira vez que o Cremerj liberou os documentos, que totalizam cinco volumes e 815 páginas. Os documentos apontam a versão do anestesista para o choque anafilático, os depoimentos de cada um dos membros da equipe que atuou na cirurgia e os de outras testemunhas mencionadas em reportagens, além dos prontuários indicando quais medicamentos foram ministrados à cantora nos 28 dias em que esteve internada na Clínica São Vicente. Sob o registro CFM 33/83, a sindicância começou em 14 de março de 1983, a pedido do Cremerj. A diretoria provisória da instituição decidira reunir recortes de jornais e solicitar aos médicos Antonio Vieira de Mello, Américo Salgueiro Filho e Jacob Cukier, então chefe do CTI da clínica, relatórios sobre o caso. Nos dias 27 e 28 de junho, Paulo César Pinheiro, membros da equipe cirúrgica e diretores da clínica prestaram depoimentos a Fernando Marigliano e Artur Ventura, do Cremeb, na antiga sede do Cremerj na praça Mahatma Gandhi, no Centro do Rio.[32]

Como havia sido divulgado que o anestesista havia se ausentado da sala de operação para atender a um telefonema,[33] Josélia Alves Pereira, a telefonista da clínica, também fora solicitada a depor.[34] Ao ser perguntada se algum médico da equipe de Antonio Vieira esteve no centro telefônico durante seu turno, ela respondeu que não. Ao ser perguntada se algum médico esteve no centro telefônico na hora da operação, ela respondeu que não sabia (seu turno começava ao meio-dia, portanto, uma hora e quinze minutos após o início da cirurgia). Antonio Vieira de Mello ressaltou novamente que o anestesista jamais deixara a sala de cirurgia. Todos os membros da equipe confirmaram a presença do anestesista Américo Salgueiro Filho na sala de forma contínua.[34]

Os depoimentos apontaram que, tanto do ponto de vista técnico quanto humano, não houve falhas.[34] Os médicos não se ausentaram, os equipamentos não falharam por falta de manutenção[33] e a Clínica São Vicente era de excelência. Ao todo, treze pessoas foram ouvidas. O relatório dos conselheiros baseou-se nas provas apresentadas pelos médicos, sobretudo pelo anestesista, e nos depoimentos das testemunhas.[34] Acabou sendo aprovado por unanimidade em sessão plenária no dia 28 de julho de 1983.[5][33] A decisão do Cremeb era passível de recurso. Os parentes da paciente poderiam ter recorrido ao CFM. Paulo César Pinheiro, no entanto, teria dito que não iria recorrer por "não acreditar nesta Justiça".

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